sábado, 22 de junho de 2013

Pequenos Prazeres ao Pormenor

"Estou aqui , estou a dar em doida." - penso eu enquanto conto os minutos para sair do trabalho.
Finjo que limpo mais uma bancada, esfrego mais uns copos e vou bufando de minuto a minuto.
Só queria ir para casa descansar.. só queria tipo, deitar-me no sofá a ver um filme , agarrada aos meus cães.
Bem melhor do que estar aqui , a sentir o cheio de água suja com café e bolos de quebra.
Chega o patrão e diz "Pode sair, menina. Pegue no seu, e ponha-se à andar, que já é tarde!" .
Termino a sessão no computador, tiro o meu dinheiro, vou até à cabine e dispo a t-shirt de trabalho.
Encosto-me à parede, a sentir o frio dela nas minhas costas, e desço até ao chão.
Fecho os olhos, e fico ali a desfrutar do meu primeiro minuto livre do dia.
"Era capaz de ficar já assim" penso enquanto reparo que ainda estou de soutien.
Visto um top preto qualquer e na minha mala, e ponho-me a andar.
Ao atravessar a cozinha ainda apago umas luzes e desligo alguns aparelhos.
"Então até amanhã".
Desço o degrau daquele café quente como tudo, e sinto a brisa fria da meia-noite a tocar-me na cara como quem diz "Agora és minha".
Não tenho peso nenhum comigo. Só o peso ainda um pouco assente do aborrecimento que é ter estado a trabalhar oito horas naquele café.
Ando pela rua, parecendo uma pluma. Quase levito, e em certos pontos altos, quase me sinto voar.
Claro que não tento mesmo, isso seria tolice minha. Mas sonhar é sempre bom.
Olho para o céu, cumprimento a Mãe Lua e as estrelas.
Passam pessoas por mim, mas nem as vejo bem. São só vultos e querem tanto saber de mim como eu deles.
Oiço vozes, e conversas misturadas.
Acontece tudo nas minhas costas, e eu nem olho para trás ou para os lados para me inteirar do que se passa.
Continuo o meu caminho, de nariz no ar, e chego por fim, à minha primeira paragem.
Um sítio escondidinho, mas com uma vista bonita.
Puxo de cartão, mortalha, um cigarro, um pica e um isqueiro.
Os cinco elementos, se é que me entendem.
Estou numas escadas, e a Lua está mesmo de frente para mim. Enrolo o meu charro tranquila, sem me exaltar com nada.
Passa um gato a correr para longe.
Gostava de ser um gato. Gostava de ser uma energia apenas.
Ponho-me a imaginar como seria. Se fosse uma gata, provavelmente passaria o tempo todo a trepar em todo o lado, a saltar dos sitios mais altos e coleccionaria vidas.
Tudo pensamentos bonitos, e o vou acendê-lo.
Noto que está perfeito. Nem muito gordo, nem muito fininho. No ponto.
Acendo-o e sinto o primeiro drago a passar-me pela garganta e a beijar-me os pulmões de morte.
Desço mais alguns degraus daquelas escadas sentada, e encosto-me para trás , ficando deitada sobre os outros degraus.
"Pequenos prazeres" , penso eu.
Fumo até já não ter mais fôlego. Despeço-me com umas directas e lanço-o para a distância.
Fico a admirar a Lua e a tentar decifrá-la.
"Muitas emoções para um dia só, princesa. Tem lá calma contigo e vai para casa. "
Ando aquilo que tenho para andar, sempre de cornos postos no céu.
"Foda-se, mas moro assim tão longe?"
Ando mais uma data de tempo e finalmente chego a casa.
Abro a porta com pressa, e vou depressa deixar a mala no meu quarto.
Dirijo-me para a sala, cumprimento a minha família e desando para a casa de banho.
Quero tirar a roupa toda e enfiar-me na banheira. Abro a água.
Tiro primeiro os sapatos. "Ahhh.. liberdade". Tiro as meias e sinto o gelado do chão.
Dispo as calças, com alguma dificuldade. Nunca fui muito boa a despir-me enquanto estou com a pedra.
Tenho tendência a rasgar, esticar ou estragar de qualquer outra forma a minha roupa.
Tiro o top, e atiro-o para o Infinito. Sei bem que a minha irmã o vai encontrar ali , porque me vou esquecer dele, e vai usá-lo e alargá-lo. Adeus, top.
Fico a admirar-me ao espelho. Não sou nada de se deitar fora.
Tenho um corpo bonito e fico muito bem de cuecas e soutien. Quem dera a muitas!
Estudo as linhas do meu corpo e descubro que a parte que mais gosto, é a linha da coluna vertebral , que me divide as costas em dóis pólos.
A água está pronta, e já a posso fechar.
Tiro a roupa que falta, mas ainda me olho mais uma vez ao espelho. " Not bad, not bad at all".
Meto o pé direito primeiro na água. Está morna..
Meto então o outro pé, e sento-me devagar.
"Nem acredito que já estou aqui!"
Pego em algum sabão e faço espuma e bolhas.
Dou mergulhos às vezes, e deito a cabeça para trás.
"Pensava que nunca mais".
Penso na Lua e no dia de trabalho que tive.
"Felizmente amanhã é folga".
Boa, posso ficar no banho mais tempo.
Fico ali uma meia hora. Pego na toalha, e enrolo-a à volta do meu corpo, e faço o mesmo com outra, na cabeça.
Vou até ao meu quarto, ligo o aquecedor, e tranco a porta.
Baixo os estores da minha janela, no caso de haver algum curioso.. ligo a luz.
BAM, FREEDOM.
Seco o cabelo rápido, e abro a cama.
A cama foi feita de lavado e sabe super bem.
Ainda pondero ir um pouco ao computador, mas a vontade de descansar é ainda maior.
Sento-me na cama e enrolo outro.
Depois de o apagar, desligo a luz e deito-me.
Vejo se o telemóvel está por perto e aconchego-me.
Roço nos lençóis lavados porque estão frescos e o aquecedor me fez aquecer demais.
As almofadas parecem nuvens, e sinto a cabeça a andar à roda.
Fecho os olhos e vejo uma montanha russa.
Abro os olhos e eles parece que me vao saltar das órbitas.
Que tripalhanço.
Finalmente adormeço e começo a sonhar.
O preço a pagar pelo sonho merecido é passar o dia a trabalhar.

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