Ora bem .. voltei a Albufeira em Novembro, para ver família, amigos e ver o que tinha mudado desde a minha ausência.
Fiquei contente por saber, que há mais espaços verdes.. e conformada por haverem mais rotundas.
Como é óbvio, não vim aqui falar sobre a anatomia da cidade.
Vim falar do que vi(vi).
Estava tudo muito diferente, no que toca às pessoas. Albufeira parecia uma cidade fantasma.
As pessoas de quem eu gostava mais, já lá não moravam, e as outras.. tinham-se juntado com grupos que não me aqueciam nem arrefeciam.
Encontrei pessoas que já não via há muito tempo, e fiz as pazes com algumas com quem tinha tido desentendimentos.
Mas houve outro tipo de pessoas, (as que mais esperava e queria encontrar), que não consegui ou detestei ver : os meus amigos de sempre.
Uns presos.. outros de pulseira electrónica em casa.. outros sem nada..
Combinei então, num desses dias em que estava sem nada para fazer, encontrar-me com um rapaz, o Daniel que me ia levar a casa de um dos meus amigos presos.
Andámos um bocado, lá para o meio do mato, e lá encontrei a casa dele.
Uma casa que de fora parecia abandonada. Cães por todo o lado.
Os muros caíam aos pedaços e a árvore grande onde costumávamos fumar os nossos charutos ainda lá estava, imponente e centenária.
Mal cheguei à porta, o meu amigo saiu.
Quase lhe faltou chorar.
" Não acredito que és tu.. não acredito que aqui estás.. não queria que me visses assim". - disse ele.
" Puto, o importante é que voltei e vim pra te ver." - respondi, aproximando-me para lhe dar um abraço.
Eu estava partida em mil.. nem queria acreditar que ele estava naquela situação.
" E pensar que antigamente brincávamos a correr por todo o lado.. e estávamos sempre a fugir de casa.. e de repente, estás assim. O que é que fizeste?" - perguntei enquanto enrolava um charro.
" Foi tanta coisa, princesinha.. andei armado em esperto, e quando pensava que tinha tudo controlado e pronto.. chibaram-me e fui de cana. "
" Quem é que te chibou ? "
" Tu sabes quem. Ele tá agora preso em Silves. Fodeu-me a vida, mas eu fiz questão de foder a dele. "
Era muita informação para mim, na altura..
Custava-me a crer naquilo tudo..
" Porque é que estamos cá fora? Não podemos entrar? " perguntei eu.
" Tu não ias gostar do que ias encontrar lá dentro." disse ele baixando a cabeça.
" Meu, até parece que não me conheces! Desarrumação é cerimónia comigo! " respondi.
No momento em que lhe acabo de dizer isso, sai da porta a minha maior inimiga de sempre : a Soraia.
Magra, de alguidar na mão, e um barrigão que metia medo.
Olhou pra mim, com aquele olhar de sempre .. aquele olhar que já durava de há 4 anos, que se traduzia num "quero-te matar."
Tive tanta pena dela. Aquele ódio todo que tinha guardado dentro de mim durante tantos anos em relação a ela, de repente transformou-se em pena.
Esqueci-me do facto de ela me ter partido uma garrafa de vidro nas costas.
Esqueci-me das vezes que tinhamos andado à porrada.
Esqueci-me de todas as vezes que lhe parti o aparelho nos dentes.
De repente, todas aquelas memórias se desvaneceram e só senti pura e exclusivamente pena.
Ela voltou para dentro, ainda de trombas.
"Era disto que achavas que eu nao ia gostar de encontrar? Foda-se, puto.. sou mais mulher que isso". disse eu.
"Pá, sim, mas ela nao é. Ela anda triste. E agora vê-te aqui, comigo.. tu estás linda, e bonita e tens tudo o que ela gostava de ter e não tem. Não queria fazer-vos passar por esse confronto. Mas agora já está.
Se quiseres, já podes entrar". respondeu ele.
Entrámos e sentei-me no sofá de uma sala improvisada.
Aquela casa não tinha mudado nada!
Estava apenas um pouco mais degradada e mais velha.
A tinta das paredes, que acredito que um dia tenham sido brancas, estalavam de velhas e o sofá rangia.
Estava numa de conversar com ele, e pôr a conversa em dia.. mas algo me incomodava.
A Soraia, olhava-me intensamente da cozinha, como que a vigiar-me.
Tenho a certeza que na cabeça dela eu já tinha morrido mil vezes.
"Está tudo bem?" - perguntei, olhando para ela.
Ela não me respondeu. Atirou com a loiça para a bancada e saiu a correr para o quarto, a chorar.
"Desculpa, puto. Venho já".
Entrei no quarto, e encontrei-a a chorar em cima da cama.
Parecia uma dor horrível, aquilo que ela estava a sentir.
Levantei-a, dei-lhe um abraço e pus-me a falar com ela.
"Calma.. ouve, vamos conversar as duas. Vamos fazer tréguas e pôr as tretas de lado, sim?"
Ela anuiu com a cabeça e começámos a falar.
Não quero estar para aqui a contar o que ela me disse. Talvez conte, num outro capítulo, cujo título talvez seja o nome dela.
Apenas posso dizer que fiquei ali com uma amiga.
E que quando o filho dela nasceu, eu estava lá.
E é incrível, como as coisas mudam, e como a nossa ausência é sentida.
É assustadoramente rápida a forma como a vida dá voltas, e mais voltas, e cambalhotas e pinos.
Algo me dizia que eu tinha de voltar àquele lugar um dia.
O passado não se esquece, mas ao contrário do que possam dizer, nunca MAS NUNCA, acaba por passar.
Vivemos constantemente de memórias e histórias.. nós vivemos o passado a toda a hora.
Incrível como as coisas mudam mesmo diante dos nossos olhos.
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